quarta-feira, 13 de março de 2013

Parte I


Eram órfãos de parentesco e de espírito.
            Ele perdera os pais num acidente de carro quando tinha três anos. O pai conduzia o velho Toyota quando, sem que nada o fizesse prever, apareceu um unicórnio de mão dada a um urso bebé. Pelo menos foi o que contaram à então criança de uns meros quarenta meses; uma maneira de simplificar e atenuar o efeito devastador do vazio eterno. No entanto, pode ter acontecido que os dois bichos estivessem realmente de mãos dadas, uma vez que o pai deste agora órfão estava sob o efeito de uma substância denominada por metilenodioximetanfetamina, mais conhecida como ecstasy. Esta droga diminuiu a reabsorção de alguns filhos de aminoácidos – monoaminas - de tal forma que fez com que estes entrassem em contacto com os avós de uma longa linha neurológica – sinapses – causando uma sensação de alacridade e algumas alterações da percepção sensorial, o que explica o avistamento tão bizarro daquele par de criaturas tão informal. Esperava-se um senhor de meia-idade embriagado, um grupo de jovens desatentos, quiçá uma senhora de inteira-idade em contramão, mas factos são factos, e neste caso não houve factos senão o infeliz encontro de uma família de Homo sapiens com bicharada. Infeliz para a família do nosso protagonista, porém alegre para o unicórnio e para o urso, uma vez que estes não sabiam que seres humanos existiam. No entanto, o desprovido de progenitores vivos, anos depois do acidente, resolveu investigá-lo a fundo. Isto porque nem os unicórnios nem os ursos têm mãos, somente pés, vulgo patas, e, portanto, havia algo de estranho em toda a situação. E havia realmente, mas lá chegaremos.

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