Eram órfãos de parentesco e de espírito.
Ele perdera os
pais num acidente de carro quando tinha três anos. O pai conduzia o velho
Toyota quando, sem que nada o fizesse prever, apareceu um unicórnio de mão dada
a um urso bebé. Pelo menos foi o que contaram à então criança de uns meros
quarenta meses; uma maneira de simplificar e atenuar o efeito devastador do
vazio eterno. No entanto, pode ter acontecido que os dois bichos estivessem
realmente de mãos dadas, uma vez que o pai deste agora órfão estava sob o
efeito de uma substância denominada por metilenodioximetanfetamina, mais
conhecida como ecstasy. Esta droga diminuiu a reabsorção de alguns filhos de
aminoácidos – monoaminas - de tal forma que fez com que estes entrassem em
contacto com os avós de uma longa linha neurológica – sinapses – causando uma
sensação de alacridade e algumas alterações da percepção sensorial, o que
explica o avistamento tão bizarro daquele par de criaturas tão informal.
Esperava-se um senhor de meia-idade embriagado, um grupo de jovens desatentos, quiçá
uma senhora de inteira-idade em contramão, mas factos são factos, e neste caso
não houve factos senão o infeliz encontro de uma família de Homo sapiens com bicharada. Infeliz para
a família do nosso protagonista, porém alegre para o unicórnio e para o urso,
uma vez que estes não sabiam que seres humanos existiam. No entanto, o
desprovido de progenitores vivos, anos depois do acidente, resolveu
investigá-lo a fundo. Isto porque nem os unicórnios nem os ursos têm mãos,
somente pés, vulgo patas, e, portanto, havia algo de estranho em toda a
situação. E havia realmente, mas lá chegaremos.
Sem comentários:
Enviar um comentário