sábado, 2 de março de 2013

Números

Números do salário, do tamanho de roupa, do calçado, ou simplesmente da altura, número de anos que esteve numa sala a ouvir um professor, número de jóias caras, brincos ou braceletes, número de doenças ou condições físicas ou psíquicas, número de pessoas que conhece ou de videojogos que tem, de likes numa rede social ou das vezes que sai à noite. A lista é interminável, um número que não tem nem limites nem fim, um número infinito, em matemática corrente. A lista de coisas pelas quais as pessoas são julgadas é infinita, senão vejamos um exemplo:
- Então, viste os Oscars ontem, Filomena?
- Ui, a Adele estava pouco gorda, estava.
- Ela que não emagreça que não é preciso.
- E a Nicole Kidman com aqueles brincos caríssimos?
- Ai, que estava tão linda!
- Então e o nosso Benfica?
Queiram desculpar, caros leitores e cinco ou seis chimpanzés que volta e meia cá vêm, mas o Benfica até em conversas hipotéticas aparece. E desculpem também a habilidade tremenda que tenho em inventar diálogos credíveis entre pessoas do sexo feminino. Na verdade, imaginei dois homens de bigode a falarem do Benfica e, no fim, referenciaram os Oscars muito brevemente. Depois foi só trocar. Filomena era Alfredo, Adele era Maxi Pereira e Nicole Kidman era Ola John. O Maxi não estava cheiinho, falhou um passe apenas, mas o Ola John estava realmente impecável com o seu penteado. Mas adiante.
Reparem como as personagens deste espectacular diálogo não dão importância à voz ou à qualidade da música, nem pensar, os seus 75kg é que foram realmente o tenor da noite. Não importa que consiga dar uma nota que a maior parte das pessoas não consiga, o importante é que estava gorda e, por isso, como é evidente, não pode ser apreciada na sua totalidade, para isso tem de ser magra, aos olhos desta gente.
Mas Nicole Kidman apresentou-se com uns brincos maiores que o meu nariz, e isso é sinónimo de beleza neste dicionário da parvoíce. Pouco lhes importa a cara, até podia ter um saco a tapar os olhos, boca e nariz, desde que tivesse uns brincos de ouro já era vista como uma deusa na terra. Até pode não ter opiniões sobre nada e ser a pessoa mais desinteressante do planeta, ter brincos e bijuteria daquele calibre é sinal de beleza.
Como podem ver, há dois números: 75 e 10. 75 quilos da Adele e imagino que os brincos da Nicole tivessem uns 10 centímetros. E as pessoas julgam-nas por isto, não conseguem ver nada mais que isso.
Vejamos outro exemplo:
- Olha, está ali o Asdrubal.
- O Asdrubal? Aquele que só fez a 4ª classe?
- Exacto. Que palhaço. Devia ter feito como nós, que tirámos um curso superior sobre um assunto que pouco nos importa, arranjámos um trabalho que odiamos e, por isso, todos os dias são um sacrifício para levantar da cama, mas que, pensado bem, até compensa pois ganhamos bem e estamos a guardar para a reforma. Que vai ser aos 60 e tal anos. Aí é que vamos viver a sério.
Se calhar excedi-me um bocado, esqueçam tudo a seguir ao "Devia ter feito como nós...", a nossa personagem só achou o Asdrubal um palhaço. Palhaço porque só teve numa sala 4 anos, ao contrário deles que tiveram mais de 15. Palhaço porque decidiu dar outro rumo à sua vida ou, simplesmente, não teve hipóteses de continuar a estudar. Mas isso não importa para as nossas personagens, ver além do superficial está muito visto, é um palhaço porque não estudou matérias insignificantes e pronto.
A lista não tem fim, podia ficar aqui a noite toda, mas não dá, tenho músicas para ouvir e bolachas para comer. Por exemplo, alguém que tenha 50 videojogos é um triste quando comparado a alguém que tenha 5000€ de salário. Mas felizmente ainda existem Blimundas na terra, que vêem para além do que está à vista.

PS: Não tenho nada contra contra a Adele ou Nicole Kidman, foi o único exemplo que me lembrei. Nem contra o Asdrubal, aliás, gostava de ter um amigo com esse nome.

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